A oração da Ave-Maria, como rezamos hoje, apareceu pela primeira vez em 1563, no breviário de um mosteiro da Ordem dos Cartuxos (fundada por São Bruno em 1084), em Grenoble, nos Alpes franceses. Lá pela metade do século XVII, ela se espalhou por todo o mundo, rezada e cantada.
Como todos sabem, ela é composta de duas partes. A primeira é uma transcrição da saudação do anjo a Nossa Senhora: Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco (Lc 1, 28) e da saudação de Isabel, quando recebeu a visita de Nossa Senhora: Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre (Lc 1, 42). Mais tarde, no século IV, introduz-se a palavra Jesus. Quem lê na Bíblia os textos acima vai perceber que os nomes Maria e Jesus foram acrescentados à prece. Estas duas frases contêm inúmeros dados de caráter teológico, em que rememoramos dogmas e verdades do cristianismo. Veremos mais adiante. Esta primeira parte da Ave-Maria predominou até o século XVI, no pontificado do Papa Pio V, que foi um religioso dominicano. E, no século XVI, o mesmo Papa Pio V, em 1570, aprova a segunda parte da oração, nascida da devoção da Igreja.
Nesta segunda parte da oração mariana invoca-se Nossa Senhora pelo seu nome: Maria e pedindo sua intercessão. Depois de entender a verdade bíblica – em que se afirma ser Maria cheia de graça, Mãe de Deus e por isso mesmo bendita entre as mulheres e mais bendito ainda o fruto do seu ventre – resta à Igreja invocar esta mulher maravilhosa pedindo: Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém
2. CARACTERÍSTICAS DA AVE-MARIA
Ave-Maria é uma oração profundamente bíblica e eclesial. Composta de trechos do evangelho de São Lucas e de preces compostas pela Igreja no decorrer dos séculos. De acordo com alguns estudiosos, nas catacumbas dos cristãos de Roma, já existiam inscrições que aludiam a essa prece incipiente, isto é, à primeira parte.
O que contém a Ave-Maria:
a) Proclamamos Maria, como a eleita de Deus, que preenche todo o seu coração. Já aqui temos uma alusão aos dogmas marianos. Enquanto, cheia de graça: 1) Ela é Isenta de pecado: dogma da Imaculada; 2) Cheia do amor de Deus, Ela pôde se tornar a Mãe do seu Filho; 3) Porque repleta de Deus e a Ele consagrada, Maria é Virgem na dimensão bíblica e 4) Porque Maria foi plena de graça, será eternamente glorificada nos céus. Eis a expressão do dogma da Assunção.
b) A Ave-Maria é igualmente a síntese de outros dogmas da vida do cristianismo. Quando dizemos que o Senhor está com Ela (O Senhor é convosco), aludimos ao dogma da Encarnação. Ela é a concretização do Emanuel, Deus conosco. Nela acontecem as promessas dos profetas que anunciaram o Salvador.
c) Quando dizemos ainda que Maria é cheia de Graça, referimo-nos à teologia da graça de Deus, que hoje nos é dada pelos sacramentos, especialmente pela Eucaristia. Aliás, há uma unidade muito forte. O Verbo Encarnado – que está em Maria – e o Cristo presente realmente na Eucaristia. O anjo Gabriel proclama o grande privilégio da santidade perene de Maria. Ao dizer que Maria é cheia de graça, anuncia-se que na Virgem de Nazaré existe a graça transbordante de quem não foi tocada pelo pecado. Por essa razão, Maria é denominada Santíssima, pois cheia de graça e isenta de pecado. Os santos ensinaram que não convinha a Jesus Cristo, o Santíssimo, ser gerado e nascer de uma criatura imperfeita. Como podia o Onipotente e Perfeitíssimo Deus, Cristo, ser depositado num receptáculo que não fosse digno dele? O próprio Jesus ensina no Seu Evangelho que não se coloca vinho novo e bom em odres velhos e defeituosos (cf. Lc 5, 37). Eis porque o Criador elevou Maria, este Vaso Insigne de Devoção a tão grande santidade.
d) Bendita sois entre as mulheres. Temos aqui o cumprimento da tradição bíblica. Maria prefigurada por Judite, Ester etc. é Aquela que foi abençoada e agraciada por Deus. Deparamo-nos com o dogma da criação. Deus criou o ser humano que O traiu e desobedeceu, dizendo não. Maria responde sim e se torna a nova Eva. Quando rezamos Bendita entre as mulheres, estamos lembrando também a verdade teológica de Maria Corredentora do gênero humano.
e) Bendito é o fruto do vosso ventre. Ele é abençoado e digno de nosso louvor, porque é o Filho de Deus. Podemos encontrar nestas palavras uma alusão a Cristo que nos redime. Este fruto do ventre de Maria é bendito, pois será glorioso e vitorioso. Temos uma referência ao mistério de sua Ressurreição. Do ventre de Maria, saiu a felicidade do ser humano. Nesta invocação encontramos tanto um referencial à pessoa de Cristo, quanto à de Maria. O ventre da Virgem Santíssima é o sacrário da humanidade, o primeiro tabernáculo vivo do Altíssimo. Ela é a Arca da Aliança perfeita, que cantamos na Ladainha.
f) Santa Maria, Mãe de Deus. Esta invocação data do Concílio de Éfeso (431, D.C.), quando Maria foi proclamada Mãe de Deus: teotókos. É o dogma da sua maternidade divina. Ela é a Mãe do Filho de Deus. Mas, começamos a chamá-la de Maria, cujo sentido é de Rainha, Senhora etc. Maria é a Rainha do Céu e da Terra, Ela é a mulher coroada de doze estrelas de que fala o Livro do Apocalipse, aquela que subiu ao Céu e é digna de todo louvor e toda glória, santa, ou melhor, santíssima. Eis a única santa que nós chamamos pelo superlativo em toda a história da Igreja. Além de todas as verdades teológicas, proclamamos Maria a Santa por Excelência, modelo de santidade.
g) Rogai por nos pecadores. Maria é a Onipotência Suplicante, no dizer do grande São Boaventura. Ela reza e intercede por nós. Nesta invocação, proclamamos Maria como medianeira, intercessora, aquela que roga por nós junto do seu Filho e de Deus Pai. Por essa razão, é a Medianeira de todas as graças, uma das verdades teológicas mais importantes da Igreja a respeito de Maria Santíssima. Há, na Ave-Maria, uma lição que não pode ser esquecida. Ao pedirmos à Mãe de Deus que rogue, peça, suplique, interceda por nós, estamos proclamando que só Deus é a fonte de toda graça e de todo bem. Maria é intercessora. Alguém que nos ama com amor de Mãe e apresenta a Deus as nossas necessidades.
Para aqueles que argumentam ser inútil esta intercessão, pois só Cristo é Mediador ou Pontífice, lembramos que vivemos intercedendo em nossas preces pelas pessoas que amamos. Foi o próprio Jesus que nos animou a pedir. Ora, se é tão importante a nossa intercessão junto a Deus, com muito mais razão, é imprescindível a intercessão daquela em quem Deus depositou todo o seu amor. Nós suplicamos a Maria esta intercessão. E temos razões de sobra para afirmar que ela não recusa esta intercessão. Por isso, rezamos com confiança: Ave-Maria, cheia de graça... rogai por nós pecadores!
h) Agora e na hora de nossa morte. Maria está presente na história de cada um de nós. Aqui, aludimos ao fato bíblico de Maria ao pé da Cruz. Nós pedimos a Maria, que esteja junto de nós, como um dia, Ela esteve junto de seu Filho, ao pé da Cruz. Que Ela nos ensine a viver e a partir para a vida em plenitude. Maria é a Compadecida, Mãe das Dores, solícita, que não nos esquece. Se Ela se tornou Mãe dos homens no momento da agonia do Seu Filho, não haverá de nos deixar no momento de nossa agonia. Presença sim, não apenas no momento da morte biológica, mas de todas as outras mortes cotidianas.
3. PORQUE DIZEMOS A AVE-MARIA DEPOIS DO PAI NOSSO
Tendo Nosso Senhor nos dado Maria por Mãe, lhe oferecemos a saudação da Ave Maria depois do Pai Nosso, pelo fato de que primeiramente honramos Deus como nosso Pai e depois passamos a louvar a Mãe e seu Filho muito bem amado. Alguns teólogos acrescentam que é uma concretização do mandamento de honrar Pai e Mãe.
4. O QUE CONTÉM A AVE-MARIA
O que significa para a Igreja e para nós a Ave-Maria? Essa oração tem os seguintes significados especiais:
a) É um elogio celestial à Virgem Mãe de Deus pela boca do anjo, quando a proclama eleita de Deus e cheia de graça.
b) É um hino de louvor e exaltação do ser humano na pessoa de Isabel, quando a chama de Bendita entre as mulheres.
A Ave-Maria é uma antecipação dos louvores dedicados à Mãe Celestial, é a unidade entre o céu e a terra. Nós devemos ser igualmente essa porta, por onde os homens podem passar para encontrar o divino. Ela representa o papel da Igreja e dos cristãos. Por isso, nada mais natural do que, ao exaltar Deus em sua grandeza infinita, queiramos elogiar sua Mãe. Desta forma, a Igreja une sempre a prece do Pai Nosso e da Ave-Maria.
c) A segunda parte da Ave-Maria é a confissão de nossa indigência e de nossas necessidades. Por isso pedimos que a própria inocência e pureza reze por nós; que interceda por nós pecadores e temos tanta necessidade de socorro. Essa proteção de Maria é extremamente importante a cada instante, por conta de nossa fragilidade. Torna-se mais importante ainda na hora de nossa morte, momento muito temido por todos. Nele não pode faltar o consolo de Maria.
5. MENSAGEM BÍBLICA E TEOLÓGICA DA AVE-MARIA
As primeiras palavras do anúncio do anjo Gabriel a Maria. Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!
a) A ALEGRIA. Alegra-te! A primeira palavra pronunciada pelo anjo não é uma saudação convencional. É um convite à alegria, feito na forma imperativa. Ao anunciar a toda a humanidade, representada por Maria, a encarnação do Verbo para a nossa salvação, Deus convida-nos à alegria plena, que só Ele nos pode dar: o dom da salvação.
Lucas, "o evangelista da alegria", enfatiza ao longo de todo o seu evangelho a alegria de Deus (cf. 15, 5.7.10; 23,24) e a alegria dos homens (cf. 10,17; 19,37; 24, 41.52). A alegria messiânica é particularmente enfatizada nos dois primeiros capítulos (cf. 1,14.44.47.58 e 68; 2,10.20.28 e 38). Também no livro dos Atos, sobretudo nos primeiros capítulos, é sublinhado o clima de alegria em que vive a Igreja (cf. 2,46; 5,41; 8,8.39; 11,23; 13,48.52; 15,31).
Convidada pessoalmente a alegrar-se, Maria pode ser vista também como a “Filha de Sião”, representante e portadora de alegria de todo o Povo de Deus pela vinda da salvação anunciada pelos profetas. O que é dito a ela é válido para todo o Povo de Deus, como aquilo que fora dito ao sacerdote Zacarias (1,14) e o que será dito aos pastores (2,10).
B) CHEIA DE GRAÇA. Antes de explicitar o que Deus vai operar nela, o anjo anuncia a Maria, na segunda palavra da saudação, o que nela já operou: foi plenificada com a sua graça. O que Deus já fez nela e o que vai continuar a fazer é a razão primeira e última da verdadeira alegria para a qual Maria é convidada. Deus derramou sobre ela seu amor benevolente e totalmente gratuito, tornando-a assim "a favorecida", "a agraciada" de Deus. E Este concedeu-lhe sua graça, porque A amou primeiro, com um amor absolutamente gratuito. Essa graça é tão fundamental e tão significativa, que a expressão "cheia de graça" é usada no lugar do nome próprio. Maria é nomeada pelo modo como é vista por Deus. De maneira singular, única e permanente é a "agraciada" de Deus.
Na Bíblia, graça, vocação e missão estão sempre relacionadas entre si. Maria foi totalmente agraciada por Deus para acolher e realizar a vocação-missão de ser a mãe do Messias. Nem Ela mesma conhecia toda a profundidade do seu mistério. Mas, "sentia" a presença do amor singular e único de Deus por ela.
Detenhamo-nos na graça com que foi contemplada a Virgem de Nazaré, tão acentuada nas primeiras palavras do anjo. Podemos fazê-lo repetindo e saboreando essas palavras ditas pelo mensageiro de Deus: "Alegra-te, rejubila, cheia de graça!" Depois de alegrar-nos com a alegria de Maria, inteiramente provinda de Deus, peçamos que nos seja dada também a graça de realizar na alegria a missão para a qual fomos chamados. Podemos ainda enriquecer e iluminar nossa oração e nosso louvor contemplando os privilégios que os olhos da fé da Igreja foram descobrindo em Maria ao longo dos séculos.
d) O SENHOR É CONTIGO. A expressão o Senhor é (está) contigo pertence ao coração da teologia da Aliança. Aparece repetidas vezes nos relatos de vocação do Antigo Testamento. Com ela é prometida a presença e a proteção de Deus aos chamados por Ele para uma missão particular na história da salvação. Essa promessa foi feita a Isaac (Gn 26,3.24), a Jacó (Gn 28,15), a José (Gn 39, 2.3.21.23), a Moisés (Ex 3,11-12), a Josué (Js 1,5), a Gedeão (Jz 6,12.16), a Jeremias (Jr 1,8.19; 15,20). Igualmente feita à Virgem de Nazaré, que dá continuidade às grandes figuras da história de Israel.
O Deus da Bíblia não é simplesmente o Deus sobre nós (pura transcendência), nem o Deus em nós (pura imanência), nem o Deus diante de nós (pura utopia). É o Deus inserido em nossa história, nossa vida. Chegada a plenitude dos tempos, o Verbo eterno de Deus encarnou-se no seio de Maria e tornou-se Emmanuel, isto é, Deus-conosco, para sempre. Ele assumiu as limitações da vida humana; veio ao nosso encontro, descendo até os abismos de nossa história, experimentando nossa pobreza e fragilidade, nossa solidão, nosso sofrimento e nossa morte. Isso continua sendo um escândalo e uma loucura para os homens, já admitia São Paulo. E a única explicação desse "escândalo" e dessa "loucura" está no amor incomensurável de Deus por nós.
e) BENDITA SOIS ENTRE AS MULHERES E BENDITO É O FRUTO. As palavras de Isabel confirmam toda a tradição bíblica. Maria é entre todas, a preferida, entre as mulheres, a escolhida, como cantamos em nossas Igrejas.
6. CONCLUSÃO
Podemos concluir dizendo que a Ave-Maria é uma das orações cristãs mais completas. Ali, encontramos descritos o papel e a missão da Santíssima Trindade. Maria é saudada pelo fato de ser a Mãe de Deus, cheia de Graça e do Espirito Santo, escolhida pelo Pai, Sacrário e Templo Vivo de Cristo, Mãe de todos os homens e intercessora sem cessar por todos nós, que somos realmente pecadores e necessitamos permanentemente do seu amparo e proteção.
CAIO AOS TEUS PÉS
Caio aos teus pés, Senhora, em profunda veneração.
Agradeço a Ti, toda a tua bondade e misericórdia!
Imploro a Ti, Mãe Compadecida a tua proteção.
Diante de Ti, dobro os meus joelhos,
Quero Te glorificar, pois és a única sem pecado.
Por mim pecador, intercede ao Pai
Para que eu possa me libertar das amarras
E aprender a viver a graça divina,
como um dia Tu viveste.
Nada tenho e sou para Te retribuir,
Mas Tu és Mãe e me conheces.
Quero Te louvar, Mãe de Misericórdia,
Quero Te louvar, Mãe da Compaixão,
Quero Te louvar, Mãe terna e cheia de mansidão
Que estendes a mim pecador a tua mão! (Texto de São Beda)
Pe. João Medeiros Filho
indigno escravo de Amor
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